Depois de quase 20 anos, a Lei Geral das Telecomunicações passa pela reforma mais relevante da sua história. Essa revisão tem o potencial de alterar o panorama do setor no Brasil, um dos maiores do mundo no setor.
As novidades, segundo Maximiliano Martinhão, secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, são acabar com o regime público de serviços da telefonia fixa; dar àAnatel o poder de regular empresas que ofereçam serviços privados, como banda larga e telefonia móvel; e criar condições para que investimentos no setor priorizem a expansão da banda larga.
As mudanças podem canalizar para essa expansão os recursos bilionários do fundo de universalização das telecomunicações. Desde 2001, os valores beiraram os R$ 20 bilhões.
Ministério das Comunicações e Anatel iniciam essa reforma nesta quarta-feira (6). “Eu não tenho dúvida que a prioridade da política deve ser a banda larga. Como deve ser alcançado esse objetivo? Há muitos mecanismos', diz Martinhão.
Como é hoje?
Hoje, os serviços de telecomunicações no Brasil são prestados em regime público e privado. As concessões de telefonia fixa estão enquadradas no primeiro modelo; no segundo, estão autorizações de telefonia fixa, móvel, banda larga fixa e TV paga.
A diferença é que, como as regras foram criadas em momento com expansão do telefone fixo como prioridade, só concessionárias são obrigadas a implantar mecanismos para ampliar o acesso e a ter obrigações regulatórias.
Quase 20 anos depois da promulgação da lei no país, a legislação cumpriu seu objetivo de expandir a telefonia fixa.
Debandada
Só que, ao longo dos anos, a preferência de empresas e consumidores migrou rumo à banda larga, mas o setor de telefonia fixa se estagnou. A internet de alta velocidade disparou 680% e a telefonia móvel cresceu 198% em dez anos fechados em 2015. O telefone fixo ganhou apenas 9% de clientes.
Já em nível internacional, o Brasil pulou da 14ª posição no ranking do número de assinantes de banda larga em 2000 para a 8ª em 2014. A lei, porém, permanece intacta, estabelecendo obrigações de universalização apenas para a telefonia fixa.
Por isso, a Anatel e os ministérios das Comunicações e da Fazenda iniciaram uma revisão do modelo. Esse processo ocorre em paralelo à revisão das concessões, assinadas em 2005 e com vencimento em 2025, e do plano de universalização.
São concessionárias a Oi (em quase todo o Brasil com exceção de São Paulo), a Telefônica/Vivo (em São Paulo), a Sercomtel (em municípios do Paraná) e a CTBC/Algar Telecom (principalmente no Triângulo Mineiro).
Consulta pública e Anatel
Uma consulta pública já colheu a opinião de teles, fabricantes de eletrônicos, serviços conectados, associações de classe, entidades de defesa do consumidor e especialistas. Um relatório sai nesta quarta-feira (6).
A guinada no setor ocorre em paralelo à decisão do Conselho da Anatel, que delibera sobre concessões e o Plano Geral de Metas para a Universalização (PGMU). Ele já define se algumas mudanças serão feitas por decreto ou projeto de lei.
Segundo Martinhão, mudanças já podem ser feitas pela Anatel por meio de decreto. Duas delas são a redução ou queda da exigência de instalação de telefones públicos. Hoje, as concessionária chegam a instalar orelhões em lugares inabitados para atender a regra. E a unificação da outorga para prestar serviços de telecomunicação. Cada uma das modalidades exige autorização específica.
A modificação da LGT seria feita por projeto de lei, diz Martinhão. Uma das alterações é a liberação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), destinado hoje à expansão da telefonia fixa. Seria voltado também para banda larga. O montante arrecadado entre 2001 e 2015 é de R$ 19,5 bilhões.
Haverá também ampliação dos poderes da Anatel. Na visão do grupo de trabalho, o regime público tende a acabar, dando lugar aos serviços privados. “Do ponto de vista das redes que são prestadas em regime público, a Anatel tem competências fixas bem estabelecidas. Quando a gente migra para regime privado, é necessário colocar competências na Anatel”, diz Martinhão. A agência teria poder para arbitrar sobre a continuidade do serviço mesmo que prestados em regime privado.
O plano prevê que o “saldo econômico” dessas alterações seja investido em banda larga. Além dos recursos do Fust, entram nessa conta bens que seriam revertidos ao Estado ao fim da concessão e dinheiro economizado com a desburocratização da simplificação das outorgas de serviços e com a dispensa de atendimento das regras de universalização.
Revisão da Lei Geral das Telecomunicações |
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Ponto avaliado |
Como é |
Como deve ficar |
Serviço prioritário |
Telefonia fixa |
Banda larga |
Regime de contrato |
Concessões (regime público) |
Autorizações (regime privado) |
Metas |
Há metas de universalização do serviço |
Deixam de existir regras de universalização, mas há regras de implantação mais rígidas a depender da região do país |
Preços |
São regulados |
São livres |
Bens reversíveis |
Ao final da concessão, os bens da União voltam para o Estado |
Os bens ficam com as empresas, mas é feito um cálculo para saber o "saldo devedor"; esse valor deve ser investido pela empresa em banda larga |
Transição de modelos
Enquanto o setor de telecomunicações estiver na transição entre os regimes público e privado, o governo estuda colocar em prática três modelos para a operação das empresas – ou uma combinações entre eles.
O primeiro é promover mudanças mantendo as concessões. O segundo é migrar as concessões para autorizações – ou seja, passar do regime público para o privado. O terceiro é criar uma concessão de banda larga.
A alternativa a ser implantada dependerá do nível de competição entre as empresas em cada região. Áreas carentes de serviços teriam regras de implantação mais rígidas. Localidades com boa oferta seriam tratadas de forma mais flexível.
O relatório da consulta pública trará uma análise aprofundada da competição no país. Dados da Anatel mostram que há regiões em que os consumidores não têm muita opção: 29% das cidades são atendidas por apenas uma operadora de telefonia celular.
VEJA O MAPA DA COBERTURA NACIONAL DAS OPERADORAS
“Não faz sentido regular Ariquemes, no interior da Região Norte, da mesma forma que regula a Avenida Paulista [em SP], onde há um grande número de prestadores de serviço. Já em Ariquemes só tem uma empresa. Não tem que ter a mesma fonte regulatória para as duas áreas”, comenta Martinhão. Durante a transição, parte do saldo econômico deverá ser usado para ampliar a infraestrutura nas regiões sem competição.
A discussão já começou, mas a revisão do modelo de telecomunicações ganhará força em junho, quando o Ministério das Comunicações deve receber o resultado das consultas públicas da Anatel sobre a revisão das concessões e do PGMU.
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